domingo, 2 de janeiro de 2011

Escrever um DIÁRIO


"O diário é uma espécie de bilhete de identidade. Porque é que o “bilhete de identidade” é importante de se escrever? Porque, para se contar qualquer coisa, tem de haver um olhar e o olhar pertence a uma pessoa. Para sabermos para onde vamos, no decurso da narração, temos de saber de onde vimos, temos de conhecer as nossas raízes, humanas e sociais, temos de partir dessas raízes para construirmos o mundo da narrativa.(...)

O que se deve contar, na maior parte das vezes, está muito perto de nós e, para ser contado, exige uma grande simplicidade. A recordação de um passeio à montanha, a história de um parente, o tormento de uma noite de insónias podem ser fontes de narração muito mais ricas do que qualquer aventura mirabolante.(...)
Um exemplo prático: imaginemos que temos que descrever um passeio que demos numa praia, num dia de Inverno em que nos sentíamos indecisos, melancólicos. Se cedermos à tentação desses diabinhos que são os adjectivos, o resultado pode muito bem ser este: “O mar mugia, as enormes vagas rugiam tenebrosas, eu ia andando e, sobre mim, uma gaivota de asas cândidas e inocentes sulcava o ar, e o meu coração palpitava com misteriosas vibrações.”

Se atendermos, porém, à simplicidade e à precisão poder-se-á chegar a esta descrição: “O mar e o céu estavam escuros. O meu humor, suspenso. Debaixo dos meus pés rangiam as conchas, soprava nas mãos e as mãos continuavam geladas.” No segundo caso, o impacto é mais forte, quase se pode respirar a tristeza e a sensação de fragilidade, e o frio que vai penetrando em nós.
O primeiro exemplo era visto do exterior, ou seja, como se imagina que deve ser representado um dia triste à beira-mar (as ondas, a gaivota, o coração tocado por qualquer coisa que se desconhece). O segundo, pelo contrário, era contado do interior. O que sente uma pessoa que caminha ao longo de uma praia, num dia de Inverno? Frio provavelmente (as mãos), solidão (o rumor das conchas debaixo dos pés), melancolia (a escuridão do mar).(...)"

A todos uma boa escrita!

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